terça-feira, outubro 10, 2006

Faz hoje um ano III


Mais um episódio de comida requentada, porque quem manda aqui sou eu.
Conta-me, Grimm

Não tenho, no meu rol de pares de pombos conhecidos, um único exemplo que me cause inveja. Não que não se dêem bem, apenas o bem que se dão não justifica a privação dos amigos, da conversa com os amigos, do café com os amigos, do cinema com os amigos, dos copos com os amigos e mesmo da companhia dos amigos que, por mais assexuada que seja, causa sempre algum incómodo ao parceiro oficial de actividades hormonais.

Tive uma infância normal, acho. Os meus pais discutiam como os pais dos outros. Não passaram por nenhuma crise prestes-a-divórcio, o que, se calhar, até me teria dado um toque de exotismo traduzido em popularidade junto dos colegas de escola.

Em minha casa, como na casa de alguns dos meus colegas de pais mais dados à colecção dos clássicos, havia um livro chamado Contos de Grimm. Em minha casa, como na casa de alguns dos meus colegas de pais de consciência pesada, liam-se histórias ao deitar. Em minha casa, como na casa de muitos dos meus mais iludidos colegas de pais conscienciosos, liam-se os contos de Grimm às crianças, que passo a identificar: eu.
Isto de ser filha única tem as suas desvantagens, nenhum irmão que pudesse distrair o pai a ver se ele se esquecia da hora da leitura, alguém que ficasse doente a entreter e a exigir a atenção dos papões das histórias de adormecer.

Histórias de adormecer, literalmente. A trama repetia-se, só os nomes das personagens e do local mudavam; aqui tinha uma bruxa, na outra, um mago, naquela outra, uma fada. Invariavelmente, depois de uma série de peripécias, o moço ficava com a moça, independentemente do estrato social de um e de outro, e os maus eram castigados, e eu, depois de me conter naquela odisseia de escuta, imaginava que só seria feliz (não para sempre, mas pelo menos no instante em que o fizesse) se um dia conseguisse deitar as mãos àquele livro que ficava no alto das prateleiras a rir-se de mim. Aquele livro enganador que dizia que todas as histórias eram felizes para sempre. Sempre que se lia o livro o mundo era perfeito. Nunca gostei que me mentissem.

Hoje, nos duetos que por aí vejo, torno a ler os contos de Grimm, histórias felizes para sempre, sempre que namoram: com aqueles, assim como com os anteriores, bem como com os próximos, felizes sempre até durar.
Claro que também ja tive dessas histórias felizes para s.e.m.p.r.e., histórias Se Estiver Maçado Páre e Reduza o Enfado, e, por isso, foram substituídas por outras, como essas: boas, dentro do género...

Queria tanto entrar numa história do Grimm...

1 comentário:

Nuno Leao disse...

Se for boa, interessa lá se é requentada ou não.
E da segunda vez podemos sempre descobrir sabores dos quais não apercebemos à primeira.